<body><script type="text/javascript"> function setAttributeOnload(object, attribute, val) { if(window.addEventListener) { window.addEventListener('load', function(){ object[attribute] = val; }, false); } else { window.attachEvent('onload', function(){ object[attribute] = val; }); } } </script> <div id="navbar-iframe-container"></div> <script type="text/javascript" src="https://apis.google.com/js/platform.js"></script> <script type="text/javascript"> gapi.load("gapi.iframes:gapi.iframes.style.bubble", function() { if (gapi.iframes && gapi.iframes.getContext) { gapi.iframes.getContext().openChild({ url: 'https://www.blogger.com/navbar.g?targetBlogID\x3d3464953016781432936\x26blogName\x3dcueio+na+toca\x26publishMode\x3dPUBLISH_MODE_BLOGSPOT\x26navbarType\x3dBLUE\x26layoutType\x3dCLASSIC\x26searchRoot\x3dhttps://tocadocueio.blogspot.com/search\x26blogLocale\x3dpt_BR\x26v\x3d2\x26homepageUrl\x3dhttp://tocadocueio.blogspot.com/\x26vt\x3d1685128264856141912', where: document.getElementById("navbar-iframe-container"), id: "navbar-iframe" }); } }); </script>
Victor rs



sábado, 3 de abril de 2010
Cativeiro

“Você está me ouvindo? Você está me ouvindo? Diga alguma coisa. EU QUERO OUVIR VOCÊ! Diga que está me ouvindo.”
Não estava. A garota gritou por mais três horas. Ou três dias. Não importa. O tempo não passa ali. Nossa única certeza é que ela gritou até perder a voz, e então se deixou cair.
Estava morta de fome, mas não conseguiria comer. Sua ansiedade não deixaria. A outra pessoa atrás daquela parede não deixaria. A menina passou muito tempo sozinha, sem nenhum contato humano, e de repente aquele ser na cela ao lado. Foram tantos sentimentos que aquele coração acostumado ao sofrimento parou por alguns segundos.
Foi isso, ficou paralisada. Depois veio a adrenalina, e essa permaneceu.
Gritou o mais alto que pôde, se jogou contra a parede, teria queimado tudo naquele cômodo para chamar atenção. Mas não tinha fogo. Não tinha nada. Sua vontade era muito maior que o resultado de seus esforços. Por fim, deitou no chão frio e fechou os olhos. Estava frustrada, mas havia alguém lá. Havia alguém lá e isso manchou o seu peito com um pouco de esperança, coisa que parecia nem existir mais.

-

Os dias eram todos iguais. Comia. Dormia. Gritava. Ficava parada olhando para a parede. Dormia. Gritava. Ficava parada olhando para a parede. Comia. Dormia. Dormia. Gritava. Não fazia nada.
Mas depois de alguns deles a chama se transformou em cinzas e a garota desistiu do novo habitante daquele lugar. Não pensava em nada. O silêncio que inundava aquelas paredes parecia ter, mais uma vez, invadido também seu interior. Era oca de novo.
Comia. Dormia. Ficava parada olhando para a parede. Dormia. Ficava parada olhando para a parede. Comia. Dormia. Dormia. Não fazia nada.
Não gritava mais.
Cansou-se dos ecos. Estes só serviam para lembrá-la que estava sozinha.
O silêncio só não é pior que os ecos.
E então o silêncio se quebra. O som vem como uma memória antiga, um delírio. E no meio desse devaneio surge uma voz há tanto esquecida.
Música, só isso que existe. E o cheiro.
A janela está aberta. Mamãe, que cheiro gostoso! O que você está fazendo?
Abre o maior sorriso e a acompanha no último verso. Não sabe o significado da canção, mas não pode ser algo ruim, é impossível cantá-la sem sorrir. A mãe fecha a janela, está frio. Não há nada de errado com o mundo, a música a diz isso.
“Quer comer bolo antes do papai chegar? Fiz o seu preferido, o que acha? Claro que quer. Vou buscar. Mas antes vou aumentar um pouco o rádio, tudo bem, não é?”
“Claro, mamãe. Gosto dessa música.”
O volume continua o mesmo.
Então a cozinha desaparece. Mamãe desaparece. O cheiro desaparece. Mas a música ainda está lá, na voz do desconhecido. A menina levanta e se aproxima. Não quer perder nenhum detalhe. Como é bonito. Não consegue mais pensar em sua mãe. Aquela voz era suficiente. Poderia viver só com aquilo para sempre.
Queria cantar junto, mas a voz não saia. Conseguiu. Com a voz mais trêmula e hesitante do mundo, juntou-se a ele.
E então o silêncio.
“NÃO PARE, por favor. Eu amo essa música”
Nenhuma resposta. A garota continuou, agora com a voz um pouco mais elevada, e logo os dois estavam passeando pelas palavras juntos.
As lágrimas chegaram antes do fim da canção. Depois de tanto tempo estava feliz. Sorria e chorava.
“Obrigada, obrigada mesmo. Eu te amo. Não vá embora. Não me deixe sozinha nesse silêncio de novo. Fale comigo, fale comigo”
“Calma, eu estou aqui, eu preciso tanto de você quanto você de mim. Há quanto tempo está aqui?”

-

“Eu estava com tanto medo, não sei nem do que, só lembro que corria. Todos pareciam correr naquele tempo, era algo normal. Mas estava sozinha, estava sozinha…”
Não a interrompeu em nenhum momento. Ela precisava falar. Imaginou o quanto ela tem guardado isso. Ouviu com toda atenção do mundo.
“Eu berrava e chamava ‘papai, papai’ mas ninguém ouvia. Então caí. Haviam tantas pessoas naquele lugar e não houve uma que olhasse para mim e dissesse ‘calma garotinha, vou te ajudar. O que está te afligindo?’. Nada. Sabe, eu reconheceria todos os que estavam ali naquela noite. Permaneci no chão, mas não por muito tempo.”
Daria tudo para não ouvir aquela pobre garota despejando o peso do mundo sobre suas costas. Era angustiante demais. Por outro lado, sentia que deveria saber tudo sobre ela. Ela era sua responsabilidade agora.
“Depois era tudo vermelho e ‘essa é a menina, achamos a menina’. Logo depois era tudo preto. E isso durou muito tempo. Quando tive coragem para abrir os olhos, já estava aqui. Depois disso, nunca mais consegui fechá-los como antes.”
“E por que você foi presa? Quer dizer, você era só uma criança. E foi uma das primeiras, não foi?”
“Não sei.”
“Quem? Você sabe quem está fazendo isso?”
“Não, mas acho que teremos cada vez mais pessoas aqui”
Era tão bom dialogar de novo. As lágrimas ainda estavam lá, mas ela parecia sob controle.
“E você, por que está aqui?”
“O processo é lento, mas está cada vez mais forte. Antes de sair soube de muitas pessoas desaparecidas. Nunca foi notícia ou anúncio oficial, mas aconteciam muitas discussões sobre isso…”
Não que ele tenha participado de alguma.
“…acho que uma hora ou outra todos serão pegos. O mundo anda estranho.”
“Mas nada disso me interessa agora. Eu quero cantar, quero te sentir comigo, ouvir minha mãe dizendo que fez meu bolo preferido, você não sabe como isso me faz bem.”
(…)

-

“Como era sua vida antes daqui?”
A resposta veio sem hesitação.
“Não tive vida antes, cresci aqui.”
Mas logo se arrependeu. Teve alguns anos de pureza e felicidade. Não havia nada errado antes.
“Na verdade, eu tive sim. Eu estou aqui há muito tempo, mas antes havia música, havia grama, havia chuva para aliviar o calor, havia ar, havia sempre uma cama ou um colo. Havia também muita coisa ruim, mas só fui percebê-las quando entrei aqui.”
Queria ouvi-la dizer que sua infância foi linda e tudo, mas a pergunta foi um erro.
“Tudo bem se não quiser mais falar sobre isso.”
“Eu não tenho porque esconder algo de você, é que não há muito a falar, na verdade.”

(…)

“Eu vou te tirar daqui.”
Ele ainda acredita em futuro.
“Obrigado por isso, mas acho que não iremos sair…”
“Olhe o que tiraram de nós. Olhe o que tiraram de você. Que tipo de vida é essa que estamos vivendo? Queria tanto ter te conhecido em outra situação, queria te ver feliz.”
“Eu estou feliz com você aqui. É a primeira vez que sorrio em muito tempo. Mas acho impossível me imaginar em outro lugar agora. É como se meus pés tivessem criado raízes a esse chão. Essa cama faz parte do meu corpo, assim como os ratos e a angústia.”
“Não fale assim. Um dia vamos dar as mãos e cantar juntos, lá fora. Prometo.”
“Prometa que estará disposto a me ouvir todos os dias, até o fim. Prometa que me levará ao céu com sua voz de novo. Me faça promessas que poderá cumprir.”
“Prometeria o que fosse preciso para te ver feliz. Morreria para te libertar desse inferno.”
“Eu era livre até te conhecer.”
“Por quê?”
“Porque antes de você, eu não tinha nada a perder”

(…)

“Está ouvindo isso?”
“Acho que não ouço nada há muito tempo.”
“Acredite em mim, acho que isso acabará logo.”
“Como era a sua vida antes daqui?”
“O quê?”
“Você me fez essa pergunta, mas não me respondeu.”
“Prefiro não pensar no antes. Não é algo que me orgulhe. Tem certeza de que não está ouvindo?”
“Acho que estou, mas não consigo acreditar.”
Silêncio. Quase silêncio. Há um som, distante, mas é um som.
Ela fecha os olhos e o pranto recomeçou.
“Eu usava um vestido largo e ele era o mais colorido do mundo. Eu gostava de correr para sentir o vento jogando meus cabelos para trás. Às vezes corro aqui, mas não sinto o vento. Perdi minha vida, perdi minha vida. Quando era criança… não, a questão não é ser criança. Quando usava aquele vestido, esse é o jeito certo de falar. Quando eu usava aquele vestido e o vento jogava meus cabelos. Naquele tempo eu ouvi tantas promessas. Era tudo bom demais. Iria crescer, conhecer muitas pessoas, iria ser importante no que quisesse fazer. Nunca esperei o Papai Noel, mas ele nunca se esqueceu de mim. Um dia ganhei um vestido mais colorido e mais confortável que aquele. Ganhei no natal. Estava lá, embaixo da árvore. Desde então, segui alternando, usava um dia o vestido novo e no outro dia o velho, nunca esqueci aquele vestido.”
Há um som.
“Mas o vestido passou e levou com ele tudo o que eu tinha. O Papai Noel não apareceu depois que mamãe e papai sumiram. Acho que ele se decepcionou comigo. Acho que eu decepcionei a todos, no fim.”
Há um som.
“Eu era a culpada. Meus pais desapareceram por minha causa. Acabei com o meu futuro. Devem ter se arrependido das promessas feitas a mim. Eu não merecia mais tudo aquilo. Eu os envergonhava. Aposto que envergonhava papai também, ele não quis aparecer quando eu chamei por ele. Passei dias chorando e comendo lixo. Mas não reclamei, eu merecia. Deus ama seus filhos, mas não parece amar as crianças malvadas como eu.”
Um coro.
“Então eles chegaram e eu não os enfrentei, eu merecia. Fechei os olhos e fiquei calada, só pedi que não doesse muito…”
“Não é sua culpa, esqueça isso.”
“Diz que me ama, é só o que eu quero ouvir.”
“Eu te amo.”
“O que são essas vozes?”
“Acho que logo iremos descobrir.”

-

As vozes começaram como uma melodia. Doce, ritmada, quase lírica. E ao mesmo tempo era forte, como um brado de guerra. Pelos passos deviam ser muitas pessoas.
Então vieram os gritos. Depois os disparos.
A batalha tinha muitos sons. Mas o mais forte, o que não cessava, era o coro.

-

“Deus ex machina.”
“O quê?”
As coisas aconteceram rápido demais. Tudo ficou turvo.
De repente era alguém gritando.
“Achei mais dois! Vamos tirar vocês daí, se afastem da porta.”
Com um barulho seco, a porta caí.
A garota não acredita.
“Venha. Não temos tempo.”
Mãos, o que é isso o que é isso?
“Estamos te tirando daqui.”
O mundo começa a fazer sentido no momento em que vê os olhos daquele que foi sua companhia por tanto tempo. Tentou chamá-lo, mas não sabia seu nome.
Não precisamos de nomes.
Abraço. Beijo. Toque. Descontrole.
No outro minuto estão seguindo os estranhos.
“Quem são vocês? Para onde estão nos levando?”
“Nós somos vocês. E estamos saindo deste inferno.”
Tiros e gritos.
Mãos dadas, mãos frias. Exalando excitação.
O coro já não é tão forte.
Mas tudo estaria bem enquanto os dois estivessem juntos.
Os olhos dele foram a última coisa em que ela reparou.
”Você tem olhos azuis.”
Mas isso foi antes da tragédia.

-

Tiros e gritos.
Mas esses tão perto.
O aperto perde força, a mão dele escapa.
Logo ela também está ao chão.
“Não, não, levanta. Olha para mim, OLHA PARA MIM. ELE CAIU ME AJUDEM.”
Será que ninguém está vendo?
“Não temos tempo, venha.”
“O QUÊ? NÃO ESTÃO FALANDO SÉRIO.”
Lá vai ela de novo. Está no seu vestido mais colorido. Está chamando ‘papai, papai’, mas ele não vem. Está caída e ninguém a vê.
“Ele está mor…”
“NÃO ESTÁ. NÃO ESTÁ. NÃO SE ATREVA A DIZER ISSO.”
“Venha, sacrifícios são necessários.”
E a carregaram para o seu fim. Mas dessa vez não consentiu calada. Rugiu.
Até perder a voz, aí ficou quieta.
Mas as lágrimas não silenciaram.

-

A garota não quis participar da festa que aconteceu após a batalha. Ouvira, durante a fuga, alguns comentários sobre a comemoração dos rebeldes pela sua pequena vitória frente ao Império, mas não se interessou. Andou para longe das risadas e das fogueiras. Nem a chuva conseguiu provocar alguma sensação àquele corpo cansado. Quando se viu afastada o suficiente, sentou-se e tirou os cabelos do rosto.
Olhou atentamente tudo a sua volta, analisou cada detalhe. Quantos anos se passaram desde que viu o céu pela última vez? Não se lembrava. Mas o céu não parecia grande coisa. A chuva era monótona.
Seu céu estava a alguns quilômetros dali, nos traços daqueles olhos azuis e sem vida.
Estava sentada na sarjeta e ainda observando tudo a sua volta quando a água parou de cair. Aquela fileira de casas a desafiava, as árvores já não tinham folhas ou flores, o ar puro a sufocava. “Ainda estou presa”, pensou. E era verdade.
“Estou presa.”
Então o sol surgiu, trazendo alegria, paz e calma. O sol surgiu para iluminar e aquecer. O sol nasce para todos, mas não para ela.
“Essa é a minha última chance.”
Respira fundo, fecha os olhos e canta. Sussurra. É uma canção dos velhos tempos, algo como “lá vem o sol lalala lá vem o sol e eu digo tudo está bem”. Logo está gritando. Quem passasse por ali veria uma menina derrotada repetindo freneticamente os versos de uma música esquecida.
Abre os olhos, esperando sentir-se melhor.
Nada.


-

tu-tu-tu

Vivo em uma era barulhenta. Passo a maior parte do meu tempo procurando o silêncio que se esconde por trás de tantos ruídos. Desligo a televisão e é o rádio, desligo o rádio e é a cafeteira, desligo a cafeteira e são os vizinhos. Ouço o trem, o ventilador, a cama rangendo e a garota perguntando “você está me ouvindo?”
Como queria não estar.
Alguém chama minha atenção no Messenger, essa era a minha música preferida, a campainha não para de tocar.
Não estou.
“Acho que seu problema é cansaço”.
Deve ser. O problema é que, na minha época, havia um botão silenciador no controle remoto.
“Não estou escutando, fale mais alto”.
Esqueça.
Um anúncio, o chuveiro, um grito, o telefone, a geladeira. Toda vez que acendo ou apago a luz ouço aquele clique insuportável. Os cachorros da casa ao lado, um bebê chorando.
Até quando desligo o telefone. Tu-tu- tu.
Essa é uma era barulhenta. Acho que o silêncio não existe. E vai ser assim enquanto as pessoas continuarem a almoçar pílulas e a usar chupeta para conseguir dormir. Essas precisam de ouvidos funcionando para se convencer do quão ótimo suas vidas são. Não há nada errado.
Mas algo está errado comigo.
Às vezes acho que o silêncio foi proibido. Acho não, tenho certeza. O silêncio é meio perturbador, vazio demais, é quase um reflexo da nossa rotina.
“Aumente o volume, não quero pensar”.
Eu sei.